segunda-feira, 18 de junho de 2018

O caminhão "troletruck" russo



   Eu gosto de procurar por carros órfãos, pela internet. Me interessam muito os modelos que o público normalmente rejeitou, em sua época de produção, o que muitas vezes me faz procurar em países do leste europeu. E às vezes me surpreendo muito positivamente, como no caso do enorme caminhão que ilustra o texto. Mesmo considerando que se tratava de um país tecnologicamente muito atrasado, especialmente na vida civil, podemos considerar esta uma imagem dos anos 1950, no máximo início dos 1960, principalmente tomando o camarada motociclista como referência; a moda era outra conversa, acompanhava bem mais de perto a ocidental do que a indústria.

    Mas se há algo que os russos não têm, para o bem e para o mal, é o desnecessário complexo de culpa que desde o fim dos anos dourados abatem o ocidente. Histórias contadas pela metade, como se todo o mal tivesse nascido aqui, mas é conversa para outro blog. Não encontrei informações técnicas sobre o veículo, então vou discorrer sobre o que os russos poderiam ter feito, e provavelmente fizeram, em contraste com nosso medo de sermos felizes.

    Por essa liberdade de consciência, eles não hesitaram em dar soluções simples e ortodoxas, sem medo de o autor ser massacrado por uma imprensa que morre de amores pela arrogância europeia. Não que o continente americano tivesse feito caminhões lindos para as minas, no meio de século, afinal era uma época em que utilitário e estética eram eutoexcludentes, mas notem que simplesmente pegaram o que tinham e colocaram para funcionar. Começando pelo mais importante, o teto é bem alto, provavelmente dotado de um espesso isolamento e, dada a falta de tecnologia de então, controles grandes e pesados para mandar a electricidade das hastes para o motor.

    As hastes, por falar nisso, parecem ser claramente tiradas de um trem, de onde provavelmente também saiu a propulsão. Notem que sua estrutura não foi desenhada para este caminhão, ela sobra muito para frente do teto, não há nada embutido, inclusive a fiação que vai ao basculante; provavelmente não é só para aterramento, o acionamento dele também deve ser eléctrico. Tudo muito alto e bem longe das mãos de um operário descuidado, mas não duvido que alguns tenham encontrado seu fim tocando SEM PROTEÇÃO onde não deveria. Não houve preocupação com dilemas morais, que não cabem em uma prancheta de engenharia, houve puro e simples pragmatismo.

    A configuração plana das rodas me faz crer que ele tinha quatro motores incorporados, ou no máximo com uma redução simples em cada um, sabe-se lá com que restrições orçamentárias eles lidavam! Essa solução, execrada pelos fãs de "Velozes e Furiosos" torna a manutenção extremamente simples, rápida e barata, com diagnósticos precisos e soluções de mais fácil aplicação. Claro, a ausência de uma caixa de transmissão significava também a ausência de quebras de engrenagens, embrenhagens, planetárias, pontas de eixo... tudo de que um caminhão normal precisa. Também por isso os caminhões do gênero hoje são PRATICAMENTE TODOS híbridos, como as locomotivas diesel-elétricas.

    Mas a tecnologia híbrida era considerada cara para o ocidente de então, imagine os russos! Era só eléctrico mesmo, então nada mais natural do que uma rede de alta tensão para alimentar os brutos. A mobilidade fica muito limitada, o veículo pode ir um pouco para cada lado, fazer manobras (o que explicaria a base da haste excedendo o teto, certamente é giratória) e nada mais. Mas não é um carro de passeio, é um caminhão de serviço pesado fora de estrada, provavelmente uma mineradora, então não havia o menor problema em ter seu raio de alcance limitado pela extensão da rede de transmissão. Aliás, a Suécia está testando HOJE uma estrada EXACTAMENTE como este conceito, de caminhão com haste e uma rede de alta tensão, como os trólebus.

    Claro que é tudo bem harmonioso com o desenho do caminhão, tudo de mais moderno que há, mas são basicamente as mesmas anteninhas daquele caminhão russo! Só que o ocidente precisou que as guerras durassem até hoje no oriente médio, e o ar das metrópoles chinesas ficasse praticamente irrespirável, para COMEÇAR a TESTAR algo. Vocês entenderam a alfinetada.



    "Oh! Os russos estavam à frente do seu tempo"? Não, não estavam. A Rússia tem encantos e virtudes de tirar o fôlego, mas ainda é um país atrasado. Não douremos a pílula só para parecer mais tragável. O que eles não tinham e não têm, é o "mimimi" ocidental de não fazer algo por medo do que os outros vão pensar. "O FODA-SE QUE HABITA EM MIM SAÚDA O FODA-SE QUE HABITA EM VOCÊ" é o mantra deles. Tudo o que eu descrevi sobre esse caminhão, poderia e deveria ser rotina do ocidente! Os ocidentais estão com medo de inovar, então aparece alguém com o mesmo mantra, na figura de Elon Musk, que faz tudo o que nós queríamos e deveríamos ter feito desde os anos 1980, e o ocidente se divide entre os que idolatram seu gênio e os que o temem terrivelmente.

    Ninguém ligava se o resultado parecia ter sido feito pelo Doutor Frankenstein, o caminhão funcionou, ou o Kremlin teria apagado seus registros, cumpriu com seu papel e era tudo o que importava! Assim como não tiveram medo de pagar mico para a imprensa ocidental (insira aqui o mantra) em muitas idéias que precisavam de mais tecnologia do que eles dispunham, às vezes mais do que o resto do mundo dispunha. Eles estavam se lixando para ecologia, ainda hoje se lixam, queriam apenas resolver um problema, se dispuseram a fazê-lo e o resolveram!

    Um dos poucos ocidentais a não ter medo da reação alheia foi Neil Young, que converteu como pôde um Lincoln Continental Conversível 1959 para rodar com baterias, e o actualiza com o que há de mais moderno, sempre que há disponibilidade. Sabe aqueles agourentos que repetem "não vai funcionar", "se funcionasse já tinha sido inventado", "ninguém vai comprar isso", "Não é digno da marca"? Agora imagine a economia que um caminhão teria, se pelo menos na arrancada e troca de marchas houvesse auxílio por alguns segundos de um robusto motor eléctrico, o que não exigiria um grande banco de baterias! Agora recite o mantra russo e comece a construir o teu sonho.



Sobre a rodovia eletrificada sueca, clique aqui e chore pelo nosso atraso.

Sobre o Linkvolt, clicar aqui, aqui e aqui; no vídeo Neil Young demonstra seu Lincoln e explica aos repórteres como ele funciona.