Que os chineses copiam e colam na cara dura, com as bênçãos do Estado, não é novidade para ninguém. Mas ultimamente alguns exemplos de "cooperação voluntária" chamaram a atenção do público especializado. A mais recente é a cessão da Kia para a Yogomo, que simplesmente apresentou praticamente uma versão eléctrica do Picanto.
Talvez seja a primeira vez que o mercado chinês oferece algo tão bom para um público acostumado a dirigir carros que desmancham ao menor impacto, o que sempre nutriu a má fama de seus carros até mesmo dentro da China. Agora pode bater que ele protege.
Bem, o que uma montadora de grande porte e prestígio como a Kia ganha com isso? Ganha o mercado chinês. Para operar lá, é obrigatório ter parceria com uma empresa local, estatal ou privada. Se o Collor tivesse feito algo assim, quando reabriu as importações... Já pensaram, alemães e japoneses repassando tecnologia para Miura, Santa Matilde, Gurgel, Puma, Dacon, Amazonas, Souza Ramos, e outras, se aproveitando da boa estrutura e grande prestígio de que elas já dispunham?
O atrativo do carrinho não são só o design caprichado e a qualidade estrutural muito acima da média chinesa, o que se traduz também em segurança veicular muito, mas muito superior ao que as famílias de baixa renda têm acesso por lá; alguns "carros" chineses fazem o nosso Fusca merecer cinco estrelas nos testes de colisão.
A maior vantagem para para Yogomo é que os custos do Picanto já foram pagos pelo volume já vendido, por isso a Kia pôde oferecer a estrutura completa sem pestanejar. Sem os altos custos do desenvolvimento, o preço cai dramaticamente. Ainda há a vantagem de facilitar as exportações, já que a oferta de peças de manutenção da Kia é bastante farta em boa parte do mundo. Notaram o volante à esquerda? Pois é, as intenções do pequeno fabricante se assemelham às da BYD. Dependendo do sucesso, até o Picanto original será beneficiado pela escala de produção dos principais componentes.
Dirigir um 330 por lá, será como ter um carro com o mesmo padrão de qualidade, segurança e acabamento do carro do chefe, porque os chineses ainda hoje preferem os importados e com razão. Carro popular chinês é praticamente uma casca de lata que anda, e geralmente anda mal. Talvez a Yogomo agora consiga mudar esse paradigma... Quem dera nós também.
Lembram-se da Geely, cujos carros causaram ataques de pânico nos testes de colisão? Pois hoje é dona da Volvo, e praticamente a marca de populares do grupo, já que is suecos foram deixados à vontade para continuar a fazer o que fazem de melhor, tanques de guerra confortáveis, esportivos e extremamente seguros, cujas estruturas básicas hoje servem os "irmãos" chineses. Vocês entenderam o que eu quero dizer. Para eles assumirem o leme livrar a Kia dos grilhões que a travam no Brasil, seria questão de tempo. A parceria entre as duas orientais é bem diferente, mas não há impeditivo para que tome o rumo da fusão e, bem, o resto são favas contadas. Quem viver, verá.
É mais ou menos como se a Chevrolet cedesse o Corsa G2 para algum fabricante fora de série, para fazer uma versão eléctrica. Os custos seriam tão baixos e as qualidades do carro tão atraentes para o uso familiar, que mesmo enchendo-o de baterias o preço ficaria significativamente mais baixo do que os concorrentes directos... Que no caso se resumiria ao Nissan Leaf e ao BYD e6, que em breve vai invadir o Rio de Janeiro, na frota oficial. Não temos o Renault Zoe, então seriam só eles... Ou serão só eles, não subestimem o povo chinês.
O Yogomo 330 surpreendeu não só pela cooperação, mas também pelo interior, que tem desenho próprio e um padrão de acabamento bem acima dos concorrentes directos. O estofamento bicolor chega a lembrar vagamente nossos carros dos anos 1960. O painel é praticamente o de uma motocicleta com algum incremento, mas o chinês não se importa. A alavanca de câmbio é minúscula, mas se resume a "para frente", "para trás" e "parado", não é para ser acionada com o carro em movimento.
Por fora as diferenças são sutis, mas perceptíveis, principalmente pelos enormes faróis, mais abaulados e suaves do que os do Picanto. A ausência da grade e as rodas bem menores, completam as distinções. A autonomia varia de 80km a mais de 250km, dependendo da versão. A autonomia maior rivaliza com qualquer eléctrico da categoria, tornando-o apto ao ainda hoje desejado e exigente mercado americano. Lá seria carro de garotos e estudantes, mas mesmo esse nicho por lá, é muito lucrativo. Apesar dessas rodinhas minúsculas, ele ficou bem harmonioso, cairia logo no gosto de um público bem amplo, e é uma tela em branco para customização.
Aliás, quem compra um carro desses, na China, nem se importa com desempenho. Ele começa com o equivalente a R$ 16.200 na versão mais barata, e mal chega a R$ 28.100 na mais cara e potente, que tem 17,5CV e chega a 100km/h. A mais barata tem parcos 10,6CV e mal chega a 65km/h com suas pesadas baterias de chumbo, fáceis de reciclar e barateadas pelo desdém para com a segurança laboral. O mais caro usa as de padrão, íons de lítio, que não podem ser simplesmente fundidas e moldadas em fabriquetas de fundo de quintal.
Mas o que a Yogomo fabricava até então, se perguntaria o leitor mais astuto? Bem, vejam por si mesmos logo abaixo e saberão a real dimensão deste salto de qualidade. Os modelos mais baratos têm apenas 3,5cv de potência máxima... Mal chegam a 60km/h, em pista plana e só com o motorista. E por falar em consumidor pouco exigente, provavelmente estamos de fora, porque o alívio na taxação dos eléctricos e híbridos ficou na promessa. Se importado, o 330 não custaria menos de R$ 75.000 com muito boa vontade e uma ajuda da Kia, que então ajudaria a Hyundai contornar o contracto perverso que tem com a CAOA.
Eléctricos não são exactamente uma novidade para a Kia, o Soul já é sucesso de crítica e público, resta apenas se quebrar a inércia interna para ele ter o lançamento que merece e, quem sabe, também ganhar uma versão popular e ganhar com a escala de produção de componentes. Se eu compraria o 330? Minha primeira escolha seria o e6, mas o compraria sim, ainda mais que a familiaridade de seu desenho o tornaria muito discreto no trânsito.