segunda-feira, 23 de julho de 2018

Electrovair - Mais uma da Chevrolet


    A vida me ensinou que eu não sei absolutamente nada da vida, e que sabe ainda menos quem pensa que sabe alguma coisa. Também me ensinou, com a experiência, que a maioria absoluta das teorias conspiratórias não passa de campanhas difamatórias com roupagem mais aceitável.


    Não sou de romancear a vida, e mesmo gostando muito da Chevrolet eu afirmo o notório: Sim, a até então General Motors Corporation jogou pesado muitas vezes, algumas delas chegou a jogar (muito) sujo, como quando sabotou um modelo eléctrico que a Ford iria apresentar, e claro que se mostrou um vexame após a sabotagem.

    Só que ABSOLUTAMENTE nada no universo impediria a passional Ford de mostrar novamente outro conceito eléctrico e oferece-lo ao público, porque é tão grande e poderosa quanto a rival, e ficaria imensamente feliz em esfregar o sucesso de seu protótipo nas fuças da directoria da GM, especialmente por ter vencido sem dificuldades a
disputa judicial, o que poderia facilmente usar em seu favor em peças publicitárias. Infelizmente ninguém queria pagar mais caro por um carro que roda menos de uma hora a velocidades em que o cidadão médio espera rodar o dia inteiro sem reabastecer. A prova é o pequenino e simpático Henney Kilowatt, que fracassou mesmo com aperfeiçoamentos na potência e na autonomia.

    E a vida utilizou-se novamente de sua ferramenta preferida para me ensinar mais uma lição. A ferramenta é o tempo, que nas mãos da perseverança me mostrou uma verdade mais bonitinha do que este homem já amargo de meia idade esperava conhecer. A GMC sempre foi sim tão simpática ao carro eléctrico quanto todas as outras montadoras, mas sempre foi demasiadamente pragmática, às vezes rançosa, não raro recalcitrante. Por isso a GMC (General Motors Corporation) sucumbiu e deixou a GMC (General Motors Company) tocando o legado. Pode parecer, mas não são a mesma coisa. A Chevrolet de hoje é o único concorrente sério da Tesla.


    Ok, chega de ranços recíprocos e vamos ao que interessa: carros eléctricos.


    Pesquisando sobre meu Chevrolet favorito, o Corvair, encontrei não só elogios rasgados de quem realmente conheceu, especialmente de quem já dirigiu e ainda dirige os modelos da linha, mas também uma surpresa! Um Corvair eléctrico que a GM não só testou, como tornou público, em uma página do GM Heritage Center: O Electrovair. A partir dele, um breve histórico sobre todos os eléctricos que já utilizaram a gravatinha francesa, passando pelo Chevette, uma Electrovan, o polêmico e sísmico EV1, o Spark até o Volt. O Bolt é contemporâneo, e um sucesso de vendas já previsto para o Brasil, talvez por isso AINDA esteja de fora.


    Vamos primeiro aos contras: O Electrovair é naturalmente caríssimo e pesado. Usava baterias de prata-zinco, o que as tornava virtualmente inviáveis para a produção em massa, e para o bolso do cidadão comum. Se uma Moura comum, que tem chumbo em vez de zinco, cobra o preço da qualidade pela adição de prata, imagine quanto custavam as do protótipo na época! E eram 450 volts em 1964, alimentando um motor de 90HP. Em 1966 o novo modelo recebeu um conjunto aperfeiçoado com 532 volts alimentando um motor de 115HP. É muito pesado, muito caro e muito volumoso! Outro problema é que o carro não tem porta-malas! As baterias ocupam o lugar do motor e o vão dianteiro destinado á bagagem. Qualquer sacola teria que viajar no colo dos ocupantes ou no assoalho do carro.


    Agora os prós: A tecnologia era tão boa para a época, e mesmo hoje tão superior às baterias de chumbo com placas planas, que foi desenvolvida em parceria e utilizada também pela Boeing e pela NASA. A velocidade máxima era de 80 MPH, algo em torno de 124km/h, podendo rodar de meia a uma hora sem recarga, dependendo do pé do motorista até mais; para a época era muito mais do que qualquer outra promessa, isso já o tornava apto às vias expressas, o cidadão já poderia sair do subúrbio, ir trabalhar e voltar para casa sem precisar de recarga nesse meio tempo; mas mesmo na época era fácil encontrar uma tomada disponível. Mais do que isso, é um carro com cara e porte de carro de família, não se parece com um brinquedo frágil para duas pessoas, com o conteúdo de uma Romi Isetta e o preço de um Cadillac, como era até o início deste século. "Por favor, me compra, eu sou ecológico" era o ÚNICO e vexatório argumento.


    Agora, quanto ao EV1, o problema foi de arrogância mesmo. Foi o caso de uma empresa querer ditar o que seu cliente (patrão) deveria querer, e essa arrogância se manteve mesmo com a desastrosa repercussão pública de que a Ford se beneficiou muito! Existe apenas um EV1 intacto, mas ele é proibido de rodar por contracto, algo que espero que a nova GMC reverta. Mas hoje é a Ford quem tem a arrogância de ditar o que seu cliente deve comprar, dizendo que não quer tiozões em seus carros e anunciando que vai tirar todos os sedans de linha, em vez de olhar para o passado e ver o que seu cliente realmente quer; Impala e Malibu agradecem, trouxas.


    O Chevette Electrovette teve o mesmo esmero de desenvolvimento, com a mesma mentalidade rançosa e exageradamente pragmática atrapalhando tudo, impedindo que mesmo colecionadores conseguissem exemplares em edições limitadas, o que teria feito maravilhas pela imagem da finada corporação. Enfim, Vida longa e carreira perpétua a Mary "Maria do Bairro" Barra, que ainda tem muita coisa para mudar lá dentro. Para vocês, um vídeo institucional sobre o Electrovair.

    Que carrinho lindo, hein! O bigode na frente até deu mais personalidade. Um pouco mais sobre ele ver aqui, aqui e aqui.


segunda-feira, 18 de junho de 2018

O caminhão "troletruck" russo



   Eu gosto de procurar por carros órfãos, pela internet. Me interessam muito os modelos que o público normalmente rejeitou, em sua época de produção, o que muitas vezes me faz procurar em países do leste europeu. E às vezes me surpreendo muito positivamente, como no caso do enorme caminhão que ilustra o texto. Mesmo considerando que se tratava de um país tecnologicamente muito atrasado, especialmente na vida civil, podemos considerar esta uma imagem dos anos 1950, no máximo início dos 1960, principalmente tomando o camarada motociclista como referência; a moda era outra conversa, acompanhava bem mais de perto a ocidental do que a indústria.

    Mas se há algo que os russos não têm, para o bem e para o mal, é o desnecessário complexo de culpa que desde o fim dos anos dourados abatem o ocidente. Histórias contadas pela metade, como se todo o mal tivesse nascido aqui, mas é conversa para outro blog. Não encontrei informações técnicas sobre o veículo, então vou discorrer sobre o que os russos poderiam ter feito, e provavelmente fizeram, em contraste com nosso medo de sermos felizes.

    Por essa liberdade de consciência, eles não hesitaram em dar soluções simples e ortodoxas, sem medo de o autor ser massacrado por uma imprensa que morre de amores pela arrogância europeia. Não que o continente americano tivesse feito caminhões lindos para as minas, no meio de século, afinal era uma época em que utilitário e estética eram eutoexcludentes, mas notem que simplesmente pegaram o que tinham e colocaram para funcionar. Começando pelo mais importante, o teto é bem alto, provavelmente dotado de um espesso isolamento e, dada a falta de tecnologia de então, controles grandes e pesados para mandar a electricidade das hastes para o motor.

    As hastes, por falar nisso, parecem ser claramente tiradas de um trem, de onde provavelmente também saiu a propulsão. Notem que sua estrutura não foi desenhada para este caminhão, ela sobra muito para frente do teto, não há nada embutido, inclusive a fiação que vai ao basculante; provavelmente não é só para aterramento, o acionamento dele também deve ser eléctrico. Tudo muito alto e bem longe das mãos de um operário descuidado, mas não duvido que alguns tenham encontrado seu fim tocando SEM PROTEÇÃO onde não deveria. Não houve preocupação com dilemas morais, que não cabem em uma prancheta de engenharia, houve puro e simples pragmatismo.

    A configuração plana das rodas me faz crer que ele tinha quatro motores incorporados, ou no máximo com uma redução simples em cada um, sabe-se lá com que restrições orçamentárias eles lidavam! Essa solução, execrada pelos fãs de "Velozes e Furiosos" torna a manutenção extremamente simples, rápida e barata, com diagnósticos precisos e soluções de mais fácil aplicação. Claro, a ausência de uma caixa de transmissão significava também a ausência de quebras de engrenagens, embrenhagens, planetárias, pontas de eixo... tudo de que um caminhão normal precisa. Também por isso os caminhões do gênero hoje são PRATICAMENTE TODOS híbridos, como as locomotivas diesel-elétricas.

    Mas a tecnologia híbrida era considerada cara para o ocidente de então, imagine os russos! Era só eléctrico mesmo, então nada mais natural do que uma rede de alta tensão para alimentar os brutos. A mobilidade fica muito limitada, o veículo pode ir um pouco para cada lado, fazer manobras (o que explicaria a base da haste excedendo o teto, certamente é giratória) e nada mais. Mas não é um carro de passeio, é um caminhão de serviço pesado fora de estrada, provavelmente uma mineradora, então não havia o menor problema em ter seu raio de alcance limitado pela extensão da rede de transmissão. Aliás, a Suécia está testando HOJE uma estrada EXACTAMENTE como este conceito, de caminhão com haste e uma rede de alta tensão, como os trólebus.

    Claro que é tudo bem harmonioso com o desenho do caminhão, tudo de mais moderno que há, mas são basicamente as mesmas anteninhas daquele caminhão russo! Só que o ocidente precisou que as guerras durassem até hoje no oriente médio, e o ar das metrópoles chinesas ficasse praticamente irrespirável, para COMEÇAR a TESTAR algo. Vocês entenderam a alfinetada.



    "Oh! Os russos estavam à frente do seu tempo"? Não, não estavam. A Rússia tem encantos e virtudes de tirar o fôlego, mas ainda é um país atrasado. Não douremos a pílula só para parecer mais tragável. O que eles não tinham e não têm, é o "mimimi" ocidental de não fazer algo por medo do que os outros vão pensar. "O FODA-SE QUE HABITA EM MIM SAÚDA O FODA-SE QUE HABITA EM VOCÊ" é o mantra deles. Tudo o que eu descrevi sobre esse caminhão, poderia e deveria ser rotina do ocidente! Os ocidentais estão com medo de inovar, então aparece alguém com o mesmo mantra, na figura de Elon Musk, que faz tudo o que nós queríamos e deveríamos ter feito desde os anos 1980, e o ocidente se divide entre os que idolatram seu gênio e os que o temem terrivelmente.

    Ninguém ligava se o resultado parecia ter sido feito pelo Doutor Frankenstein, o caminhão funcionou, ou o Kremlin teria apagado seus registros, cumpriu com seu papel e era tudo o que importava! Assim como não tiveram medo de pagar mico para a imprensa ocidental (insira aqui o mantra) em muitas idéias que precisavam de mais tecnologia do que eles dispunham, às vezes mais do que o resto do mundo dispunha. Eles estavam se lixando para ecologia, ainda hoje se lixam, queriam apenas resolver um problema, se dispuseram a fazê-lo e o resolveram!

    Um dos poucos ocidentais a não ter medo da reação alheia foi Neil Young, que converteu como pôde um Lincoln Continental Conversível 1959 para rodar com baterias, e o actualiza com o que há de mais moderno, sempre que há disponibilidade. Sabe aqueles agourentos que repetem "não vai funcionar", "se funcionasse já tinha sido inventado", "ninguém vai comprar isso", "Não é digno da marca"? Agora imagine a economia que um caminhão teria, se pelo menos na arrancada e troca de marchas houvesse auxílio por alguns segundos de um robusto motor eléctrico, o que não exigiria um grande banco de baterias! Agora recite o mantra russo e comece a construir o teu sonho.



Sobre a rodovia eletrificada sueca, clique aqui e chore pelo nosso atraso.

Sobre o Linkvolt, clicar aqui, aqui e aqui; no vídeo Neil Young demonstra seu Lincoln e explica aos repórteres como ele funciona.