Mais uma vez a idiotice dos discursos rasos e inflamados me obriga a ser advogado do diabo. Uma alegada boa intenção (aham… Para cima de mim? Faz favor) de um leigo pode pôr em risco não só os esforços para a popularização da mobilidade eléctrica, como também a liberdade mais básica do consumidor, que é decidir o que quer ou não comprar.
Certa feita, um parlamentar idiota europeu propôs extinguir imediatamente os carros a combustão, trocando todos por versões eléctricas. Os utopistas aplaudiram, mas a Volkswagen logo puxou o parlamento de volta ao mundo real cobrando dados e fontes de recursos, afirmando ainda que eles estariam assim dando os empregos europeus para os chineses, que seriam os únicos com capacidade instalada para alimentar a demanda por baterias… e talvez não conseguissem, o que elevaria os preços destas, encarecendo os carros por conseqüência. Mas a argumentação de quem entende do assunto não demoveu os intelectuais de ar-condicionado, que NUNCA põe a cara a tapa em testes científicos reais, eles não desistem de arruinar a civilização que dizem querer salvar.
O mais recente pateta engravatado, que leu artigos ufanistas sem embasamento técnico (ver aqui) é brasileiro. De cara ele propõe PROIBIR a venda de carros a gasolina e diesel no Brasil em dez anos, isso incluiria híbridos. Lhes parece ser muito tempo? Pois desenvolver um modelo totalmente novo pode levar cinco anos, e outros tantos para ele se pagar. A alegação do indivíduo votado é que temos tecnologia de biocombustível e plug-in para colocar em prática, o que só reforça o quanto seu conhecimento de causa é raso e restrito. Vamos a uma lição rápida de economia: As regras de emissões e segurança encareceram muito tanto o desenvolvimento quanto a produção e a manutenção dos carros, piora o facto de os custos dos testes e adequações serem proporcionalmente mais perversos com os carros populares, que têm pouco por onde absorver esse encarecimento, não preciso explicar muito para vocês perceberem que os carros de luxo, para os quais tudo isso é proporcionalmente mais barato, sentem pouco ou quase nada esse peso extra.
Aliás, peso é outro problema, junto com a redução do espaço interno. Isso obriga os fabricantes a usarem motores mais potentes em carros que normalmente não precisariam deles, o que piora mais os índices de consumo e aumenta os custos para equacionar tudo. Não bastasse essa fase, que encarece a venda ao consumidor, são incontáveis componentes que falharão cedo ou tarde e aumentarão os custos de manutenção, principalmente porque alguns têm validade, como os detonadores de airbag, este que está na longa lista de peças que simplesmente NÃO PODEM SER CONSERTADAS. Ou seja, cumprida sua função, todo o conjunto precisa ser TROCADO. E são muitas vezes peças frágeis. Em um carro grande e caro isso já seria um problema, imaginem em um popular com suas restrições de espaço e capacidade de carga, dificultando o trabalho dos mecânicos, estes que precisam ser especializados; mão de obra especializada é sempre mais cara.
Um carro popular, para ser competitivo, precisa ter sua produção estimada em milhões de unidades, antes da primeira reestilização, para que o volume pague os custos de desenvolvimento, a manutenção da linha de montagem e os dividendos sem que a margem de lucro seja exorbitante. Um carro de luxo é bem mais caro para ser produzido, mas umas poucas milhares de unidades podem bastar para que o projecto se pague. A solução então é exportar, porque dificilmente um mercado local daria conta de todos os custos, isso incluindo o chinês. O problema aqui é que para termos carros exclusivamente a combustíveis vegetais, seria preciso desenvolver uma linha de motores, sistemas de alimentação, tanques, filtros, catalisadores e talvez até versões EXCLUSIVAS para exportar e outras para venda doméstica; mais testes, mais burocracia, mais tempo e mais custos para absorver. No final das contas, seriam dois carros distintos, um para o mercado interno e um para exportação, com custos proporcionalmente maiores, que nenhum mercado no mundo aceitaria custear. Preciso pormenorizar para vocês entenderem que os mais pobres seriam literalmente privados de ter o carro próprio?
Rapidamente: O que mantém os custos de produção e manutenção sob controle é justo a padronização, inclusive o facto de um mesmo motor poder ser utilizado em vários países com pouca ou nenhuma modificação, o que permite que todo o restante do conjunto possa ser praticamente o mesmo em vários países. Isso também permite que a mão de obra utilizada não seja muito mal paga, a fim de manter da qualidade da montagem. O ferramental pode ser praticamente o mesmo para várias plantas fabris, com desenhos de matrizes padronizados, o que reduz muito os prazos e os custos. A época dos carros baratinhos feitos à mão, acabou. Se não houver uma revolução na arquitetura dos automóveis, carros com produção prevista para menos de um milhão de unidades continuarão a ser inacessíveis à maioria. Outro efeito colateral é que os preços dos carros usados seriam hiperinflacionados, porque a procura aumentaria exponencialmente para modelos que simplesmente não são mais produzidos, e por isso não podem ser repostos… o crime organizado adoraria ter mais esse filão. Os custos para se modificar TODA a cadeia produtiva seriam proibitivos, os fabricantes menores e alguns grandes fechariam as portas, gerando desemprego e recessão sem precedentes, a não ser que alguém pagasse a conta, e quem propõe um projecto de lei raso como esse, NUNCA pensa em como ou quem vai pagar a conta, só em receber os dividendos políticos de sua base eleitoral. Entendido? Então vamos à próxima fase do texto…
No tocante aos carros eléctricos, há décadas eu acompanho de perto a evolução assombrosa das técnicas e das reduções de custos. A arquitetura de um carro eléctrico é MUITO mais simples, é basicamente um motor eléctrico com algumas baterias e um reostato ligado ao controlador; um carro a combustão mais simples é barroco, se comparado a isso. Essa simplicidade franciscana aliada à rápida evolução das baterias, permite que um carro eléctrico médio custe menos do que um sedã grande de alto luxo, mas ainda assim é muito mais caro do que seu par a combustão interna. Hoje os fabricantes compram pacotes de baterias de íons de lítio ou phosphato de lítio por US$1000,00 ou menos por KW. Para ter um desempenho bom, longe de ser brilhante, um carro médio familiar precisa de no mínimo 40kw, para que possa fazer pequenas viagens a velocidades médias razoáveis, ou rodar o dia inteiro por uma região metropolitana sem o risco de parar por falta de energia, e sem precisar andar sempre à direita… onde houver pista da direita. Mas não é só isso, as baterias não podem ficar soltas pelo assoalho ou porta-malas, seria como colocar o combustível em um saco de lixo dentro do carro. Há de se ter uma estrutura para manter todas as pilhas da bateria unidas, estáveis e protegidas, se for o caso até mesmo refrigeradas.
E nem venham me falar em placas solares! Elas ainda são caras, pesadas e demasiadamente frágeis para uso automotivo, e rendem pouco! As melhores e mais caras entregam cerca de 200wh/m²; isso é muito pouco! O teto de uma Kombi não conseguiria em rezando, mais do que 1kw, o que não daria nem para 30km/h com o sol a pino e o carro vazio.
Ainda no tocante à estrutura, simplificadamente, vamos nos lembrar de que essas pilhas são compostas de metais. Mesmo o lítio sendo o metal mais leve na natureza, ainda é um metal e usa estrutura metálica para ser adequadamente armazenado; a bateria em si não pesa mais do que 800g/litro, mas ela sozinha não basta, precisa de fiação de transmissão, contenção e estrutura de resistência, se usar o alumínio temos 2,7kg/litro; um conjunto que pese menos de 1kg/litro é muito leve. Um litro de gasolina das boas, sem misturas, não passa de 775g, e sendo líquida ela pode ser acomodada em qualquer cantinho de um tanque plástico amorfo, para optimizar o espaço interno. Com tudo isso, vamos à triste realidade! 40kw não dão mais do que 300km em um carro leve e bem calibrado, distância que um caro de a combustão de porte razoável percorre com menos de 15 litros de gasolina; façam as contas de massa e custos de produção e verão o quão longe ainda estamos de uma realidade majoritariamente à bateria.
Há uma diferença muito grande entre fazer um carro em casa para uso próprio, e homologar um modelo para produção industrial. As exigências para fabricar um carro em larga escala não podem ser atendidas pelo cidadão comum, mesmo pelos mais ricos. Ainda que quase todos os componentes sejam de veículos já existentes, testar e destruir protótipos em ensaios de segurança e durabilidade exige uma estrutura gigantesca, com grande fartura de mão de obra altamente especializada, por vários anos, e ainda assim há o risco de se ter que jogar tudo fora e recomeçar do zero. Estou falando em centenas de milhões de dólares com retorno incerto, muito diferente de um técnico que sabe que não terá retorno financeiro de sua empreitada, que não gastará com publicidade e não será processado por falhas de montagem e recalls. Pegar um velho Opala com motor fundido e encher de baterias (roubando espaço precioso no porta-malas) não vai lhe causar problemas de rejeição do consumidor, mas a GM nem pode sonhar em fazer isso com o Cruze, se seu público não se declarar receptivo e disposto a pagar por isso… nem sonhando!
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