terça-feira, 6 de agosto de 2019

O acerto e o tropeço do Buggy eiON




            O conceito é totalmente acertado; O uso de uma carroceria enxuta e pronta para compra poupou pesados investimentos em um design decente (que é muito mais caro do que vocês podem imaginar) e o lento desenvolvimento estrutural, já que o criador do design, a BRM Bugues, já fez todo o serviço, incluindo o belo pára-brisas curvo que eu adoraria ver em um Fusca. Ter mexido minimamente e preservado o desenho básico foi outro acerto, o carro continua basicamente bonito e harmônico.



            Acertou também e enormemente no uso exclusivo de fornecedores locais que, se não contribuem tanto com os custos, asseguram maior controle de qualidade sem requerer uma estrutura metrológica gigantesca e caríssima de se manter.



            Outro acerto foi copiar da Tesla o conceito pay-per-run, ou seja, pagar de acordo com a autonomia adequada às suas necessidades. Dependendo do tamanho do pacote de baterias, a autonomia pode ser de 150, 200, 250 ou 500km. O pacote de baterias também definem a versão, algo que cairia bem em qualquer modelo de qualquer marca, plug-in ou a combustão: motores maiores exclusivos para versões mais requintadas ou esportivas.



            O quarto acerto é o foco no turismo e empresas correlatas. A (arrrrrg) start-up curitibana sabe bem a quem quer vender, embora não descarte em absoluto a venda a particulares. Com esse foco, fica fácil dimensionar o producto na medida para o público-alvo, evitando dispêndio de tempo e liquidez com divulgação desnecessariamente pulverizada, que demandaria prazos mais longos para dar resultados… se desse resultados.



            O site da eiON é simples e contém o essencial, sem muitos detalhes, mas também sem aquele emaranhado de janelas pipocando a todo momento, algo que tem levado até leitores de sites grandes e relativamente ricos à beira de um ataque de nervos; Ver comercial da Natura tampando os slides de carros raros, pelo amor de Deus… E nem clicando ou denunciando a porcaria do pop-up cessa de aparecer! Em suma, a navegação é fácil, amigável e até relaxante.



            Todos os sites em que apareceu teceram rasgados elogios ao veículo e ao seu criador, porque conceitualmente seria o carro eléctrico perfeito para o Brasil finalmente debutar no ramo. E realmente seria, se não fossem os tropeços. Não são exactamente defeitos, mas os preços pedidos fazem com que sejam. Indo de R$ 139.000 no Econômico, passando por R$ 179.000 no Básico, R$ 209.000 no Padrão e (suspiro) R$ 279.000 no Luxo!!!!!



            Já quase posso ver o Kamikaze ficar de cabelo em pé e branco como a neve… e dou toda razão. Eu também fiquei assim. Para não dizer que o carro não tem nada, ele tem controle de tração, o que sendo eléctrico é MUITO FÁCIL de se conseguir, sejamos francos, câmbio automático e toda aquela parafernália de conectividade incluindo preparação para internet G5 e previsão para condução autônoma. Tudo isso encarece, sim, mas não tanto. Esses brinquedos cibernéticos sozinhos não fazem um bugue custar mais do que um Bolt.



            Alguém vai falar dos imensos e desnecessários pneus 235/75R15 na frente e 31X10,5r15 atrás, calçados em rodas de liga leve igualmente largas e caras. Mas só isso não explica o preço. Daria para abater uns dois ou três mil, no máximo cinco mil reais com rodas e pneus comuns para quem não for escalar dunas, claro, mas só isso mesmo. Fora os complementos de plástico que, me perdoem, dá um ar de “SUV” que me entristece.



            Vendo o modelo Luxo, com seu potente banco de 51,1kW de baterias de primeira qualidade, 340V de tensão nominal, o fabricante promete até 500km de autonomia. Alcance extraordinário para essa capacidade instalada e, especialmente, para um carro de aerodinâmica ruim. Qual o segredo? Simples: o fabricante não informa em que condições essa autonomia é possível; nem velocidade de cruzeiro, carga a bordo, parâmetros viários… nada. Desempenho: 140km/h de máxima desenvolvida com os 66kW e 130kgf/m de seu motor. Isso dá 89,76cv... com 80cv a Kombi 1.4 com sua aerodinâmica de tijolo atingia mais de 130km/h, e isso porque a velocidade era limitada pela injeção, senão… Ou seja, 500km de autonomia só se for passeando devagar pela orla, que é o habitat preferencial de um bugue.



            Outro senão é que o preço não inclui um carregador próprio, o que significa, na versão Luxo, geológicas 15 horas para recarga completa… Não, não é um carro dos anos 1980. O carregador é embarcado, tem um plugue de três pinos para tomadas de 220v, com capacidade para 30Ah, o que é outro problema porque o Brasil tem dupla voltagem, e eu nem quero imaginar ter que esperar pela carga completa em uma tomada de 110v… o que exigiria um transformador que a ficha técnica não informa ter.



            Por dentro é um bugue de dois lugares, mais espartano do que um Fusca Standard, com um volante que deixa muito clara a ausência de airbag, o que em princípio não é exigido de um fabricante fora-de-série. Então o que justifica preços tão salgados? Basicamente duas coisas:



            1 – É uma produção de baixa, talvez baixíssima escala utilizando fibra de vidro como matéria-prima, o que barateia muito as instalações da fábrica, mas encarece desproporcionalmente a unidade ao consumidor. Há descontos para quem comprar no atacado, é claro, mas não espere nada do tipo “pague um, leve dois”.



            2 – É uma só empresa. Não se trata de uma cooperativa ou coisa parecida, é uma empresa de pequeno porte comprando no varejo de empresas que não são gigantes do ramo, e que portanto não podem contar com os baixos custos unitários que uma Samsung da vida oferece aos seus clientes. Se seis ou sete empresas comprassem juntas, cada uma cuidando de seu nicho, as chances de sucesso seriam reais e iminentes.




            Então o projecto está fadado ao fracasso? Não, absolutamente. O carro tem potencial e os custos operacionais devem falar alto para os empresários de turismo litorâneo. Querer is além disso seria arriscado e ao que parece não está nos planos da empresa.



            Vamos deixar claro que jamais foi tão fácil e barato construir do zero um carro inédito e com qualidade de fábrica. Sim, entretanto existe um abismo entre construir um carro para uso próprio e fabricar para vender. São situações completamente diferentes, com exigências legais e fiscais que equivalem a comparar um rato com um elefante. Eletrificar um bugue e produzir um bugue eléctrico parecem ser a mesma coisa, mas nem de longe são.



            Estou desconfiado, sim, mas desejo sinceramente sucesso ao empreendimento, que tem chances reais, porque os turistas estrangeiros vão pagar para usar esse bugue.

Para conhecer o projecto, vá ao site da eiON.

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