quinta-feira, 20 de março de 2014

Renault Electric Leopard; idéia certa, receita errada.

Imagem de Davis Engineering

   O Gordini, na tentativa de desfazer a má impressão de fragilidade, em um teste de longa duração, ganhou o apelido de "Teimoso", que alguns ainda hoje usam para se referir ao Renault/Willys/Ford.

   Já falei aqui de uma boa, mas fracassada tentativa de se vender nos Estados Unidos, o Henney Kilowatt (ver aqui) um Dauphine convertido para rodar com baterias, nos opulentos inícios anos sessenta, quando economia de combustível era a última coisa que o americano médio pesava, na hora de comprar um carro, mesmo os mais pobres; gasolina era mais barata do que respirar, na época.

   Pois outra tentativa aconteceu, no fim dos anos setenta, novamente pecando pela concepção. Novamente escolheram um minúsculo Renault e novamente os números eram muito, mas muito aquém do que o americano médio esperava de um carro de verdade. Com cerca de reles 80km de autonomia e 80km/h de velocidade máxima, o o Renault R5 Leopard chegou tarde e em uma época em que os carros voltaram a crescer, em potência e tamanho, como modelo 1980.

   Com seus 3,607m de comprimento por 1,524m de largura e 1,3487m de altura, e um porta-malas com aproximadamente 110l (pouco mais do que a metade da capacidade do Fusca) o carrinho que era sucesso nos rallies europeus tentou enfrentar as dimensões continentais de um país que liga Atlântico e Pacífico. Os resultados foram os esperados, porque os erros foram exactamente os mesmos. Agravava a tração dianteira, que sofre mais para os hábitos ainda hoje arraigados na cultura americana, como puxar um trailer em longas viagens, mesmo enfrentando rampas íngremes como as de San Francisco. O Cord 810/812 conseguia porque era um carro potente e muito pesado.

   Os cerca de 1160kg de massa do hatch tinham uma boa participação das baterias chumbo-ácidas, infelizmente as únicas disponíveis na época. Ainda assim a dificuldade com as rampas, a aceleração tímida e a velocidade escassa o faziam ser visto mais como um carrinho de golfe muito caro, do que como um meio confiável de transporte. A empreitada foi feita pela US Electric car Corporation, que cometeu o mesmo erro da Henney, o de associar carro eléctrico a tamanho, desempenho e alcance acanhados. Piorava tudo, o facto de o interior do carro parecer o que realmente era, uma adaptação de um modelo à combustão.

AMC Concord 1979. From Old Parked Cars.
   Hoje ele teria mais sucesso, não só porque os tempos são outros, pois infelizmente as pessoas não são diferestes da época como se pensa, as baterias de hoje permitiriam que ele pelo menos não desse vexame, mesmo com chumbo-ácidas de placas espiraladas, que dariam o triplo de potência. mas ele teria que ser muito barato, porque é um carro muito simples e muito apertado. Se tivessem utilizado algum modelo da AMC Motors, como o comportado Concord 1979, que poderia ter pelo menos cem milhas de autonomia, algo já viável para uso cotidiano.

   Ainda hoje nenhum Renault obteve sucesso real no mercado americano, virtualmente só a parceira Nissan, com o Leaf, está mantendo o respeito e o orgulho dos franceses por lá, mas isso porque o Leaf tem uma autonomia razoável, com um desempenho razoável, um espaço interno razoável e um preço razoável. Quem sabe o Zöe tem mais sorte?

quarta-feira, 12 de março de 2014

A revolução debaixo da tinta


     Confirmados respectivamente para entrarem em produção Abril e Junho, os BMW i3 e i8 têm bem mais do que a chancela bávara como argumento para entrarem para a história. Tampouco somente pelos números impressionantes do coupé i8; 362cv de potência combinada, faz de 0 a 100 em 4,4s, e corre 47,5km com um litro de combustível.

     A maior revolução o comprador não pode ver, e beneficiará toda a indústria automobilística, inclusive as de fundo de quintal. A BMW, para dar conta da demanda, já que o primeiro ano de produção de ambos está vendido, duplicará a produção de peças de fibra de carbono. A bávara já era um dos maiores consumidores individuais do material no mundo, o que por si garantia custos mais em conta, agora desponta uma banalização benéfica da fibra de carbono no mercado mundial.

     A intenção real é estender o uso da fibra para toda a gama BMW, contando para isso com a generosidade dos consumidores típicos de eléctricos e híbridos, que pagam mais cientes de que estão financiando as pesquisas para a popularização da tração eléctrica. A julgar pelo sucesso estrondoso, muito acima do que o fabricante imaginava, isso se dará rapidamente.


     Alemães e japoneses já tinham, há alguns anos, desenvolvido métodos mais eficientes para produzir e montar peças de fibra de carbono, o que a baratearia de sobremaneira, só faltando uma montadora de grande porte adoptar a idéia. A BMW não foi a única, mas foi a que investiu mais. Ousando como nenhum outro, os alemães da Baviera apostaram no sucesso que a Tesla obteve, abandonando o bordão mendicante do "Compre porque é eléctrico" para usar o "Compre porque é bom". Com isso, o carro eléctrico deixou de ser desejo de bicho-grilo para se tornar desejo de abonados que querem ser vanguarda; os híbridos acabaram se beneficiando também.

     Para os leitores tenham uma idéia do que é essa evolução, basta imaginarem um kit-car de fibra de carbono, que hoje custa fácil mais do que o dobro do de fibra de vidro, custando apenas um pouco mais. É como um BMW Série 7, que tem cerca de 1800kg, ficar mais leve do que um Série 3, com cerca de 1450kg, sem aumento significativo de preço. Talvez nenhum.

     O resultado é fácil de se prever, qualquer motor mediano daria desempenho esportivo ao kit, algo como um VW AP2000 dar a mesma aceleração de um bom Chevrolet V8 350". A suspensão poderia ser mais barata, os freios menores, os pivôs de carros pequenos, enfim... Um buggy com motor de motocicleta de 250cc, por exemplo, já se tornaria exeqüível. Será viável, inclusive, fabricar seu carrinho artesanal em fibra de carbono. Sonho? Não, felizmente não.

     A fibra de carbono é a antessala do grafeno. Para quem nunca ouviu falar, simplificadamente, é um composto de carbono que segue a mesma linha da fibra de carbono e do grafite, esse do teu lápis mesmo. Ele supera em absolutamente tudo o aço, sendo mais leve do que o alumínio e permitindo uma precisão de engenharia que os metais não permitem. Um motor à combustão poderia ser todo feito de grafeno e fibra de carbono, podendo dispensar até a lubrificação, na maioria dos casos. Um motor de ciclo diesel assim, poderia dispensar até a refrigeração. Tudo isso está sendo financiado por quem compra carros eléctricos e híbridos de luxo.

     Para quem não entendeu ainda, vou esmiuçar. O desenvolvimento dos eléctricos e híbridos, que "não é carro de macho", está beneficiando e prolongando a existência dos seculares motores de pistões, especialmente os auxiliados por algum motor eléctrico. Os "carrinhos de mulherzinha", como se as locomotivas usassem transmissão por engrenagens, estão permitindo aos carros convencionais que coexistam com os eléctricos por mais tempo, tirando a argumentação dos ecoxaropes fundamentalistas.


     Bem, para a alegria dos endinheirados brasileiros, os dois modelos estão confirmados para o nosso mercado. No máximo até o início de 2015, já veremos i3 e i8 saindo de nossas revendas autorizadas BMW.


   E para a alegria dos ricaços com consciência ecológica, a Rolls Royce confirmou que produzirá modelos híbridos. A rejeição ao protótipo eléctrico 102 EX, segundo a marca de propriedade de BMW, se deveu à baixa autonomia e ao tempo de recarga, incompatíveis com os padrões da Flying Lady. A autonomia é cascata, a Tesla provou que quem paga o preço, tem a autonomia que quiser, e muita gente paga. O tempo de recarga afaz sentido, não tanto, mas faz. O certo é que teremos outra revolução, desta vez de conceitos, ainda que apenas para se adequar à legislação ambiental dos americanos; porque os chineses pouco se importam, quase nada mesmo.