Literalmente pequeno. Em 1967 a Ford inglesa dançou conforme a música, ficou bonito, mas justo por isso acabou sendo apenas uma coreographia estéril, como as de programas de auditório. A idéia era de um carro urbano para duas pessoas, percursos curtos, como de casa para o trabalho, onde ele seria recarregado na rede da empresa.
Só que o conceito não era para quem não dispusesse de outro carro para a família, seu desenho nem mesmo inspirava confiança ou mesmo respeito por parte do consumidor. Até o Henney Kilowatt era mais exequível, mesmo sendo um Dauphine adaptado, tinha quatro lugares e um porta-malas.
O Ford Comuta era um caixotinho de dois lugares, com a frente inspirada nos filmes de ficção científica dos anos sessenta, a frente e o conceito, mas as baterias da época o tornaram apenas um brinquedo para ser admirado em photos de revistas e exposições em salões do automóvel. Isso em uma época em que as montadoras faziam conceitos enormes, com aparência de naves espaciais, remetendo ao desempenho e à liberdade de um alcance continental, com todo o espaço interno e conforto que um carrinho urbano não pode oferecer.
O apelo do conceito era de praticidade e racionalidade, que caem por terra quando nos lembramos de que não vivemos em um mundo bom, muito menos perfeito. Mudanças de trajeto podem ser necessárias, picos de aceleração e rampas íngremes podem se tornar comuns de vez em quando, até mesmo uma saída de emergência para o hospital pode ser necessária e as baterias talvez não tenham conseguido carga suficiente, porque em carros pequenos da época eram poucas e assim davam pouco alcance, para aliviar, poupar espaço e baratear a construção.
Sua velocidade máxima era de 60km/h, mas só deveria ser utilizada em trechos ou para ultrapassar ônibus e caminhões. A autonomia equalizada era conseguida a 40km/h, não passava de 60km/h com uma carga de sua bateria de 12V. Se for pensar que qualquer motoneta pequena, a 40km/h, roda duas horas sem recarga, mesmo com baterias de chumbo, ele fica ainda mais parecido com um brinquedo. A 60 por hora, provavelmente não teria muito mais do que meia hora de autonomia, e com o conhecido risco de a bateria ter suas placas de chumbo irreversivelmente danificadas.
Decerto que a Ford não tinha muitas esperanças de o público pedir para fabricarem o carro, mas a deficiência dinâmica era gritante. O clássico Mini levava quatro ocupantes em horas de viagem sem precisar reabastecer, a mais de 100km/h. E era um carro tão barato e tão básico, que nem máquina de vidro ele tinha, era tudo corrediço, como na antiga Kombi. Em larga escala, o preço do Comuta não seria tão menor que justificasse a escolha, provavelmente nem seria significativamente menor.
Infelizmente essa visão de um carrinho de brinquedo extra grande para levar dois ou quatro adultos a um passeio curto, perdurou até o início do século. Quem não se lembra do Reva, que chegou a rodar no Brasil e, na época, cobrava quase cem mil reais para rodar 80km a não mais do que 80km/h? Até a Tesla lançar o Roadster, montado em cima do Lotus Elise, (hoje serve de base para o retorno da Detroit Electric) que rodava 250km a mais de 100km/h. Era um esportivo caro, mas quebrou o paradigma de carrinho pequeno, lento e de baixo alcance para ficar mais barato.
Hoje a história seria outra, baterias alcalinas leves e com relação preço/potência próximos à das arcaicas chumbo-ácidas, ele poderia rodar uma hora a 120km/h sem acrescentar um centímetro sequer às suas dimensões. O problema é que na época se pensava muito pequeno para as baterias, ninguém se arriscou sequer a oferecer leasing de versões eléctricas de seus carros grandes, para firmas de entregas e transporte escolar; isto sim, teria dado algum fruto.
Ford Taunus 1964 |
Havia ainda uma opção que não passou pelas mentes da engenharia. Se tivessem apostado na receita do Smart, de se ter um Mercedes-Benz de bolso, com potência, acabamento interno e conforto que justifiquem o preço, provavelmente 36V alimentariam um motor bem mais potente e com alcance para atravessar a cidade sem medo, mas a mentalidade na época era equiparar o preço ao tamanho do carro. Se ao menos tivessem "modernizado" um Ford Taunus e apresentado como um conceito, lá sim, caberiam uns 120V para rodar 120 ou 150km, o que já o tornaria realmente prático. Mas pensaram pequeno.
Provavelmente queriam aproveitar o motor-de-arranque de algum carro normal da época para ser usado no Comuta com fins tracionários, já sabendo que o projeto não seria levado adiante. Mas eu não duvidaria que uma eventual versão a ser feita em série usaria no mínimo um motor de 24 volts, como os que são usados como motor-de-arranque em alguns caminhões e ônibus civis e diversas viaturas militares. A propósito: considerando que a Ford chegou a apresentar em '82 no Salão de Turim um triciclo com motor de Vespa (o Ghia Cockpit), já me vem à cabeça a imagem de um Comuta com motor a combustão interna (embora umas "guelras" para a admissão e refrigeração pudessem não harmonizar com o design original), algo como uma antevisão do Smart e possível concorrente para o Motalli CityCar português.
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