sábado, 21 de fevereiro de 2015

Ford Comuta - Quando os eléctricos sonhavam pequeno


  Literalmente pequeno. Em 1967 a Ford inglesa dançou conforme a música, ficou bonito, mas justo por isso acabou sendo apenas uma coreographia estéril, como as de programas de auditório. A idéia era de um carro urbano para duas pessoas, percursos curtos, como de casa para o trabalho, onde ele seria recarregado na rede da empresa.

  Só que o conceito não era para quem não dispusesse de outro carro para a família, seu desenho nem mesmo inspirava confiança ou mesmo respeito por parte do consumidor. Até o Henney Kilowatt era mais exequível, mesmo sendo um Dauphine adaptado, tinha quatro lugares e um porta-malas.

  O Ford Comuta era um caixotinho de dois lugares, com a frente inspirada nos filmes de ficção científica dos anos sessenta, a frente e o conceito, mas as baterias da época o tornaram apenas um brinquedo para ser admirado em photos de revistas e exposições em salões do automóvel. Isso em uma época em que as montadoras faziam conceitos enormes, com aparência de naves espaciais, remetendo ao desempenho e à liberdade de um alcance continental, com todo o espaço interno e conforto que um carrinho urbano não pode oferecer.

  O apelo do conceito era de praticidade e racionalidade, que caem por terra quando nos lembramos de que não vivemos em um mundo bom, muito menos perfeito. Mudanças de trajeto podem ser necessárias, picos de aceleração e rampas íngremes podem se tornar comuns de vez em quando, até mesmo uma saída de emergência para o hospital pode ser necessária e as baterias talvez não tenham conseguido carga suficiente, porque em carros pequenos da época eram poucas e assim davam pouco alcance, para aliviar, poupar espaço e baratear a construção.

  Sua velocidade máxima era de 60km/h, mas só deveria ser utilizada em trechos ou para ultrapassar ônibus e caminhões. A autonomia equalizada era conseguida a 40km/h, não passava de 60km/h com uma carga de sua bateria de 12V. Se for pensar que qualquer motoneta pequena, a 40km/h, roda duas horas sem recarga, mesmo com baterias de chumbo, ele fica ainda mais parecido com um brinquedo. A 60 por hora, provavelmente não teria muito mais do que meia hora de autonomia, e com o conhecido risco de a bateria ter suas placas de chumbo irreversivelmente danificadas.


  Decerto que a Ford não tinha muitas esperanças de o público pedir para fabricarem o carro, mas a deficiência dinâmica era gritante. O clássico Mini levava quatro ocupantes em horas de viagem sem precisar reabastecer, a mais de 100km/h. E era um carro tão barato e tão básico, que nem máquina de vidro ele tinha, era tudo corrediço, como na antiga Kombi. Em larga escala, o preço do Comuta não seria tão menor que justificasse a escolha, provavelmente nem seria significativamente menor.


  Infelizmente essa visão de um carrinho de brinquedo extra grande para levar dois ou quatro adultos a um passeio curto, perdurou até o início do século. Quem não se lembra do Reva, que chegou a rodar no Brasil e, na época, cobrava quase cem mil reais para rodar 80km a não mais do que 80km/h? Até a Tesla lançar o Roadster, montado em cima do Lotus Elise, (hoje serve de base para o retorno da Detroit Electric) que rodava 250km a mais de 100km/h. Era um esportivo caro, mas quebrou o paradigma de carrinho pequeno, lento e de baixo alcance para ficar mais barato.


Hoje a história seria outra, baterias alcalinas leves e com relação preço/potência próximos à das arcaicas chumbo-ácidas, ele poderia rodar uma hora a 120km/h sem acrescentar um centímetro sequer às suas dimensões. O problema é que na época se pensava muito pequeno para as baterias, ninguém se arriscou sequer a oferecer leasing de versões eléctricas de seus carros grandes, para firmas de entregas e transporte escolar; isto sim, teria dado algum fruto.

Ford Taunus 1964

  Havia ainda uma opção que não passou pelas mentes da engenharia. Se tivessem apostado na receita do Smart, de se ter um Mercedes-Benz de bolso, com potência, acabamento interno e conforto que justifiquem o preço, provavelmente 36V alimentariam um motor bem mais potente e com alcance para atravessar a cidade sem medo, mas a mentalidade na época era equiparar o preço ao tamanho do carro. Se ao menos tivessem "modernizado" um Ford Taunus e apresentado como um conceito, lá sim, caberiam uns 120V para rodar 120 ou 150km, o que já o tornaria realmente prático. Mas pensaram pequeno.

Um comentário:

  1. Provavelmente queriam aproveitar o motor-de-arranque de algum carro normal da época para ser usado no Comuta com fins tracionários, já sabendo que o projeto não seria levado adiante. Mas eu não duvidaria que uma eventual versão a ser feita em série usaria no mínimo um motor de 24 volts, como os que são usados como motor-de-arranque em alguns caminhões e ônibus civis e diversas viaturas militares. A propósito: considerando que a Ford chegou a apresentar em '82 no Salão de Turim um triciclo com motor de Vespa (o Ghia Cockpit), já me vem à cabeça a imagem de um Comuta com motor a combustão interna (embora umas "guelras" para a admissão e refrigeração pudessem não harmonizar com o design original), algo como uma antevisão do Smart e possível concorrente para o Motalli CityCar português.

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