Tão diferentes que nem deveriam estar na mesma categoria. |
Finalmente a Fiat trouxe o
Cinqüecento eléctrico, mirando em cheio o veterano Renault Zöe, agora com
sobrenome E-Tech. Mesmo para um mercado ainda restrito, o Zöe tem fãs desde o
seu lançamento e já estava folgado com o quase monopólio de seu nicho, visto
que o Nissan Leaf é d’outra categoria e foca outro público. Então o Renault
finalmente tem um concorrente directo e à altura, certo? Não, não é bem assim.
A Fiat, talvez muito influenciada pela Ferrari, aposta demais na grife e cobra
o preço por isso. A diferença não é grande, mas as soluções práticas oferecidas
preservam os compradores do francês. O Zöe começa com R$ 204.990 na versão Zen,
para quem fizer questão de um pouco de requinte a versão Intense si por R$
219.990. O Cinqüecento perde de cara nos R$ 239.9990 cobrados pela versão
única. Outro pecado é ter apenas duas portas, contra as quatro do Renault. Isso
somado à paleta de cores, mostra bem a que público a Fiat destina seu
representante, que hoje é o mais caro da marca no Brasil, com isso também
restringe mais a faixa etária dos compradores. A cores do Zöe são mais
tradicionais, só o vermelho se destacando e muito na paleta.
O charme do antigo e minúsculo Fiat
500, que só levava duas pessoas, ainda é visto nas linhas do novo, não se pode
negar isso, mas “charme” retrô o New Beetle também tinha e nem de longe era o
que se espera de um Fusca, então o chamariz pode não durar muito mais do que um
test drive. Essa tendência identitária se repete no interior, com o tablier e o
painel de instrumentos ainda remetendo ao clássico Tota, mesmo com aquela
central multimídia que mais parece um tablet adaptado; Que besteira fez a
Mercedes-Benz! O acabamento interno não decepciona, a quantidade de
conveniências modernas também condize com o preço, mas fica claro que apesar de
ter crescido um pouquinho, não é carro para uso familiar, nem para quem precisa
transportar idosos ou portadores de deficiência.
O desenho quase futurista do Zöe
ainda agrada muito e marcou de tal forma, que hoje influencia toda a linha
Renault, tem personalidade própria, sem apelar para uma frente agressiva com
uma grade desnecessariamente grande, mas que ainda assim é notada e faz a
diferença no conjunto. O tablier também tem aquela central multimídia que não parece
gostar muito do lugar em que está, também dá a impressão de que é um tablet
adaptado, mas maior e em posição mais integrada ao conjunto. O painel de
instrumentos é moderno, mas contido. O espaço interno maior e mais iluminado
contrasta com o do pretenso concorrente, o que aliado às portas extras torna o
francês mais apropriado a um casal com dois filhos não muito grandes. No
porta-malas cabem as compras da família e até bagagens para uma viagem não
muito arrojada. Seu estilo, mesmo não sendo tão cult quanto o do Fiat, lhe
permite transitar com elegância do trabalho cotidiano para o shopping center.
É incoerente falar em robustez
quando tratamos de dois carros feitos para o asfalto, cujas suspensões são
calibradas para esportividade ou conforto, ainda mais considerando que as ruas
sem calçamento não dispõe de estrutura para recarga, pelo menos no Brasil nem
as estradas boas costumam ter. Em ambos os casos, se o motorista se aventurar
até uma chácara ou uma fazenda, serão de longas oito a eternas doze horas na
tomada doméstica para uma recarga completa, se não faltar luz, então sair da
estrada não é para eles.
Os 118cv e 22,4kgfm do Cinqüecento-e o fazem acelerar de 0 a 100 em alegados 4,8s, a velocidade máxima é limitada
a 150km/h. O Zöe E-Tech tem saudáveis 134cv e 25kgfm, mas a força é mais
dosada, com a aceleração de 0 a 100 em comparativamente longos 9,5s e máxima
contida nos 140km/h. O que parece ser um disparate, e a princípio é mesmo, se
deve à política interna de cada montadora para preservar mais ou menos a
autonomia, o que acentua a vocação mais familiar do Zöe. O motor do Zöe, sem
essas restrições electrônicas, o fariam nem ver o Cinqüetento pelo retrovisor,
e em uma adaptação faria até mesmo um Opala Diplomata fritar pneus, mas para o
uso a que se destinam uma aceleração tão vigorosa não importante,
principalmente porque ainda são poucos os pontos de recarga pelo país, até
mesmo em São Paulo, então aqui a vitória do Fiat é muito apertada, porque com o
carro cheio o motor do Renault mostraria quem realmente manda.
Falar de autonomia em um carro
eléctrico é um problema pela polêmica envolvida. Vão-se longe os tempos em que
revistas especializadas davam dados detalhados considerando várias faixas de
velocidade, duas ou mais situações de carga e até mesmo diferenciando bem os
testes em estrada dos em ciclos urbanos. Hoje temos uma padronização mais
burocrática do que realmente técnica, que pode deixar o motorista em maus
lençóis se não prestar atenção à carga da bateria, ou mesmo ao nível do tanque.
O Cinqüecento-e promete bons 400km de autonomia, chegando a até 480 km com o
pleno uso da regeneração por frenagem, o que é claro que só consegue levando
apenas um motorista com peso moderado, em pista bem conservada, sem grandes
aclives e velocidade racional; vai esperando, vai! O Zöe promete mais realistas
385km, que me fazem repetir as restrições já dadas, mas o motor mais torcudo é
menos sensível à carga e às condições de rodagem. Na prática, um motorista
experiente, que conheça bem o carro que conduz e ciente de que precisa chegar
ao destino, não vai conseguir muito mais do que 360km em condições normais de
rodagem, não importa qual esteja dirigindo, mas o Zöe vence por permitir isso
com mais carga e menos restrições de rodagem, e pelos 388 litros do porta-malas.
Os 185 litros do Cinqüecento são pouco mais do que o que o Fusca oferecia. Uma
vez a Fiat soltou uma peça publicitária com janelas estreitas, alfinetando a
Saveiro para dizer que uma janelinha atrás da porta não torna estendida uma
cabine simples, pois aquela portinha traseira no lado direito do Cinqüecento-e
merece a mesma crítica, de quebra é um componente a mais pra dar problema e
permitir infiltrações.
Para convencer mais o comprador, a
Renault alardeia haver 17kg de plásticos reciclados no interior do Zöe E-Tech,
o que nem parece porque está mais refinado do que a versão anterior, um anúncio
condizente com a proposta e o marketing dos eléctricos. A Fiat ainda bate na
tecla da paixão por carros, talvez por isso tenha liberado mais desempenho para
o Cinqüecento-e, que no modo econômico simplesmente não aparece. Apesar da má
fama de que os franceses desfrutam no Brasil, vale lembrar que são ambos
importados e a Fiat nunca foi muito feliz com importações, basta lembrar das
dores de cabeça dadas pelos primeiros lotes do Tipo, entretanto a
confiabilidade de um motor eléctrico sempre foi uma de suas grandes vantagens,
então presumo que um condutor mediano só fica no caminho por falta de bateria,
não por quebras.
Minha conclusão é que apesar de o
Cinqüecento-e mirar com vontade o Zöe E-Tech, vai acertar outros alvos. Embora
o comprador de um eléctrico ainda seja aquele que quer mesmo comprar um, mesmo
pagando mais para rodar menos, os públicos de ambos são tão distintos quando os
estilos dos carros, sendo o Zöe claramente apto a receber uma versão break e o
500 mais voltado para o lazer mesmo. Em um lampejo de racionalidade um
comprador que não tenha preferência por marcas e não se importe com status, vai
voltar para casa dirigindo um Zöe, principalmente se tiver família. Para quem
quer brilhar em ambientes jovens e pagar mais pela diversão, o carro é o
Cinqüecento-e.
De um modo geral, os carros elétricos permanecem muito especializados, e a impressão que dá é sobre a recente insistência em direcionar as faixas de tamanho mais compactas para a eletrificação total, e o foco na tal "mobilidade urbana" que virou um mantra midiático servindo de pretexto para direcionar os consumidores que preferem ter à disposição um motor convencional a veículos de porte maior e no fim das contas menos convenientes para o uso cotidiano ao mesmo tempo que sacrificam a eficiência geral.
ResponderExcluirSim, há anos eu já vinha dizendo e a Tesla comprovou, que são os carros grandes, potentes e luxuosos que vão financiar esse mercado, mas a turma do marketing morre de medo de uma crítica...
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